Olá, blogtt’s.
Assisti à nova série Adolescência, lançada pela Netflix em março de 2025, e, sem dúvida, ela me deixou com um senso profundo de reflexão. A trama toca pontos sensíveis, especialmente em tempos como os que vivemos, de avanços tecnológicos e mudanças socioculturais significativas.
Lançada em março de 2025 pela Netflix, Adolescência é uma minissérie britânica de quatro episódios que explora as complexidades da juventude, identidade e responsabilidade. A trama acompanha Jaime Muller, um adolescente envolvido em um crime brutal que choca sua comunidade. Enquanto a investigação se desenrola em tempo real, somos imersos em uma narrativa intensa e sem cortes, onde cada detalhe importa. Mais do que um suspense criminal, a série levanta questionamentos profundos sobre moralidade, culpa e o impacto das relações familiares e sociais na construção da identidade dos jovens (FONTE: Netflix).
A escolha pelo plano-sequência não é apenas uma técnica, mas um grito silencioso sobre a urgência da situação. Não apenas a urgência de um assassinato em si, mas a urgência de entender a importância de coletar evidências nas primeiras 24 horas após o ocorrido. Ao ser guiado pela narrativa sem interrupções, o espectador é empurrado para o centro da ação, sem tempo para respirar, sem escapatórias, sem cortes, sem medo, sem zelo, fazendo com que quem está assistindo se sinta parte daquele momento — seja como um oficial, detetive ou vítima. É uma experiência visceral, que nos coloca em vários papéis simultaneamente.
Esse recurso do plano-sequência é fundamental para a narrativa. A atuação dos atores — principalmente do protagonista Jaime Muller, interpretado por Owen Cooper — é impecável. A falta de cortes permite que eles sustentem os papéis de maneira realista, transmitindo suas emoções não apenas com falas, mas também com olhares e linguagem corporal. Isso contribui imensamente para a densidade da história, tornando-a ainda mais envolvente.
O enredo, embora relativamente raso em sua premissa, acaba se aprofundando em questões complexas e ambíguas. A série é curta, com apenas quatro episódios, mas com episódios longos — talvez uma escolha proposital para permitir que o espectador entenda a dinâmica familiar dos personagens e o impacto que os eventos têm sobre eles. A série nos apresenta os personagens de maneira bem construída. A psicóloga, em sua tentativa de evitar julgamentos precipitados, representa a constante luta entre a racionalidade e a emoção. O detetive, apesar de toda a sua experiência, também é um homem marcado por suas próprias falhas e laços familiares, o que o torna tão humano quanto qualquer um de nós. Além disso, há os educadores, que lidam com seus alunos e suas próprias frustrações, cientes de que muitos desses jovens carregam consigo traumas e questões pessoais trazidas de casa. Todos os personagens, mesmo os que estão à margem da ação principal, trazem consigo fragmentos de suas próprias histórias, peças que, ao final, se encaixam de maneira desconcertante.
A narrativa, centrada em Jaime, nos leva a questionar o que vem depois. O que acontece após o ato? Em muitos momentos, a premissa de Katie é deixada de lado, porque, naquele ponto da história, nada mais importa; não há "depois". Na mente de Jaime, ele não cometeu nenhum erro, e a grande questão que surge é: “Você entende o que fez?”. Isso nos leva a refletir sobre a inversão de papéis, onde Jaime, se torna o foco principal, enquanto Katie, deixa de ser a protagonista de sua própria história e se torna apenas um plano de fundo, sem nem mesmo o desfecho de sua trajetória. A série, ao trazer essa reflexão, nos desafia a pensar na complexidade das situações que envolvem violência. Embora nada justifique o crime, somos levados a considerar o impacto das circunstâncias e comportamentos de todos os envolvidos, sem jamais minimizar a responsabilidade do agressor.
A série trabalha com a ideia de que o jovem, com toda a sua formação ainda incompleta, está em um processo de construção da sua identidade, inclusive no que diz respeito à sua sexualidade. Essa é uma parte importante da trama e levanta questões sobre até que ponto os conflitos familiares e internos do protagonista influenciam suas atitudes como indivíduo inserido na sociedade.
A escolha do cenário não é aleatória: na Inglaterra, crianças a partir de 10 anos podem ser consideradas responsáveis por crimes, um ponto crucial para entender a psicologia dos personagens. Essa escolha vai além do contexto; ela levanta um questionamento profundo sobre infância e adolescência. Afinal, em que momento um jovem deixa de ser visto como criança e passa a ser responsabilizado por seus atos? E o que, de fato, significa “culpa” quando o contexto familiar e social exerce uma influência tão marcante?
Enquanto o interrogatório nos leva a olhar para a perspectiva de Jaime, é impossível não pensar sobre o "depois". O que acontece após o crime? A série deixa esse questionamento em aberto, sem dar respostas definitivas. A morte de uma vítima, que aparentemente deveria ser o centro da narrativa, torna-se um ponto secundário. O foco é deslocado para o protagonista, o agressor, e isso gera um movimento de reflexão sobre o que realmente importa no final das contas.
O peso do "depois" permanece até o último episódio, onde, por meio de um diálogo entre os pais, somos confrontados com a culpa e o questionamento sobre se eles poderiam ter feito algo diferente, se poderiam ter notado sinais, se poderiam ter interferido. Esse questionamento, que se propaga pelo ar, é especialmente relevante no contexto atual, em que os jovens estão cada vez mais conectados e expostos a um mundo de informações e pressões externas, muitas vezes sem o devido respaldo.
O grande dilema, então, é até onde nós, como sociedade, podemos interferir no desenvolvimento de um jovem, onde devemos acolher e onde devemos impor limites. Esse é um ponto central na série: a busca pelo equilíbrio entre compreender e acolher os sentimentos, mas também ensinar a impor limites, respeitar o outro como um igual e não tolerar abusos.
No último episódio, a cena de Eddie Miller (Stephen Graham), pai de Jaime, é mais do que uma virada na história; ela nos coloca frente a frente com uma verdade dolorosa: o que fazemos antes de uma tragédia define tanto quanto o que fazemos no momento do ato. A culpa, a reflexão e o arrependimento tornam-se, então, um reflexo de todos nós. O que podemos realmente fazer para mudar o curso dos eventos? Até onde estamos, enquanto sociedade, preparados para encarar nossos próprios reflexos no espelho do futuro?